Samara só não estranha ainda mais o lugar para se encontrarem porque já ia se acostumando com a ideia. Afinal o Hip-Hop estava em toda parte. Entra na igreja vazia e o encontra sentado, em silêncio, no último banco.
–
Rezando?
Ela
pergunta fazendo sua voz ecoar por toda a capela.
–
Estou observando aquelas duas velas no altar.
–
Pra mim são velas comuns o que elas têm de especial?
–
repare que o vento quase apaga a chama daquela ali que está mais próxima da
janela.
–
Sim, e daí?
–
Viu a diferença entre elas?
–
Hum! São idênticas, mas uma está maior que a outra.
–
Sim. A vela que luta pra manter sua chama acesa gasta menos cera. A adversidade
a torna mais forte e resistente, esta força dos fracos é o Hip-Hop.
–
Não sabia que você tinha uma religião.
–
E eu não tenho.
–
Não tem? Pensei que o seu lado gospel mantivesse você junto das religiões protestantes.
–
Quanto a isso tem toda razão. Amo muito os irmãos que me utilizam para
aproximar as pessoas de Deus. Mas em nosso país, aprendemos a respeitar as
muitas crenças. No lugar dessas diferenças gerarem guerras santas e
intolerância, criamos o sincretismo religioso. Que é a fusão e o diálogo entre
as diferentes religiões. Isso tem tudo a ver comigo, que também sou muitas
misturas.
“Já
viram de tudo,
Menos
amor e sossego
No
berço da violência
Crescem
sem fé e com medo”
(Ao
Cubo)
–
Há outras religiões com que você se identifica?
–
Sim, as religiões de matrizes africanas como o Candomblé e a Umbanda, por
exemplo. Têm muita da cultura negra e da resistência africana que tanto
valorizo. Estou nas mesquitas muçulmanas.
“Há
Malês nessa vida que só vem pro nosso bem”
(Periáfricania)
Também
estou nas igrejas católicas e até no Vaticano já fui me encontrar com o Papa.
Nas sinagogas judaicas...
–
E eu – interrompeu Samara – “Só não consigo poupar que nem judeu” (DBS & a
Quadrilha).
–
Eu estou falando sério.
–
Tá bom, viajei. De quais grupos gospel você gosta da mensagem?
–
Muitos deles, como DJ Alpiste, Ao Cubo, Provérbio X, Mano Reco, Cezinha, 3 D,
Apocalipse 16 do grande Pregador Luo. “Vixe! É muita Treta” (APC 16).
–
Então pra você qualquer forma de expressão tá valendo?
–
Tenho consciência que existe quem faça dos púlpitos daí igreja seu trampolim
para uma carreira com público fiel, se você me permite o trocadilho. Mas não
cabe a mim, só Ele pode julgar quem é quem.
(Agradecemos a generosidade de Toni
C. por permitir a publicação desse texto).
Fonte: Toni C. O hip-hop está morto: a história do Hip-Hop no Brasil. São Paulo:
edição do autor, 2012. p.101-102.
0 comentários:
Postar um comentário